Regresso ao tema da posição jurídica do beneficiário de promessa de alienação no caso de insolvência — entre a emenda de um mau soneto e a meia palavra para bom entendedor

(Breve comentário ao Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2019)

(Nota: a anotação que os autores fazem ao AUJ n.º 4/2019 é publicada na sequência da anotação que publicaram ao AUJ n.º 4/2014, que se encontra nesta ligação.)

***

1. Introdução

1. Recentemente, veio o Supremo Tribunal de Justiça mais uma vez pronunciar-se sobre o muito debatido tema da posição jurídica do beneficiário de promessa de alienação no caso de insolvência, fundamentalmente reduzindo o âmbito de aplicação do AUJ n.º 4/2014, nos termos do qual “[n]o âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência goza do direito de retenção nos termos do estatuído no art. 755.º, n.º 1, alínea f), do Código Civil”. Com o AUJ n.º 4/2019, decidiu o tribunal superior que haverá de entender-se por consumidor apenas aquele que destinar o objecto da promessa a uso particular, deste modo fixando a jurisprudência: “[n]a graduação de créditos em insolvência, apenas tem a qualidade de consumidor, para os efeitos do disposto no Acórdão n.º 4 de 2014 do Supremo Tribunal de Justiça, o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa.”

2. Cremos que andou bem o Supremo Tribunal ao restringir o âmbito de aplicação do AUJ n.º 4/2014.

Porém, a emenda não foi bastante para transformar o poema num bom soneto. Na verdade, se a nova pronúncia  aproximou a posição do Supremo Tribunal do que, na nossa opinião, determinou o legislador, a verdade é que — certamente porque, como se lê no AUJ n.º 4/2019, “saber se o âmbito de convocação desta norma [art. 755.º, n.º 1, alínea f) CCv] devia ter sido esse [no processo de insolvência] ou se tal restrição aplicativa não devia ter existido é questão que está fora do âmbito [do] presente acórdão” — não foram ainda expiados os pecados do que se firmou em 2014: por uma parte, a interpretação restritiva do disposto na al. f) do n.º 1 do art. 755.º; por outra, a integração de uma lacuna inexistente no regime jurídico do contrato-promessa no caso de insolvência do promitente-vendedor.